Nånting Måste Gå Sönder de Ester Martin Bergsmark é uma das longas-metragens em competição no QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Sebastian (Saga Becker) é um jovem de Estocolmo com o sonho de se tornar mulher e que vive uma juventude problemática e auto-destrutiva com encontros sexuais fortuitos com outros homens. Num desses encontros que corre mal é defendido por Andreas (Iggy Malmborg), um tipo descontraído e que não se considera homossexual.
Eli Levén e Ester Martin Bergsmark escrevem o argumento deste filme que aborda temáticas complexas e tantas vezes escondidas e incompreendidas. Percorremos a jovem vida de "Sebastian" - ou "Ellie" como gostaria de ser chamado - um jovem rapaz que sonha de olhos abertos que se tivesse nascido rapariga toda a sua vida seria estranhamente mais simples. Não lhe conhecemos família ou qualquer elo de ligação a outras pessoas que não a uma amiga com quem partilha os seus mais íntimos segredos. Testemunhamos a sua espiral de decadência emocional quando para criar qualquer tipo de afectividade se relaciona em encontros sexuais fortuitos e quase clandestinos pelos mais variados locais e percebemos que se sujeita aos mesmos como uma demonstração da sua precoce aceitação. Interessante - ainda que momentâneamente óbvia - a breve semelhança estabelecida entre "Sebastian" e a flor de lotus existente na banheira onde se lava... Da mesma forma que esta nasce na lama tornando-se uma bonita flor, também todo o ambiente em que ele se encontra se torna agreste em relação àquilo que ele próprio representa.
Toda esta dinâmica muda com um breve e fortuito encontro com "Andreas", o jovem despreocupado que o salva de uma maior agressão física e com quem estabelece uma imediata empatia. Ainda que esta relação não comece por ser sexual ou afectiva, percebemos que existe uma estranha química que os irá ligar e que estabelecerá os seus destinos mais ou menos em comum. Cumplicidade esta que começa por partilharem uma cama, entrelaçarem os dedos ou num jogo de sedução, posse e exploração física onde se excitam sexualmente como - percebemos - até então não havia acontecido.
É à medida que se conhecem e que se exploram que percebem que esta convivência se forma num misto de desejo e repúdio sentido por ambos em diversos momentos do seu crescimento e que culminam com uma entrega mútua e absoluta, ainda que se entenda que pode ser de curta duração. "Sebastian" nos entretantos com uma extrema necessidade dessa espiral de decadência perceptível pela forma como à medida que a sua relação com "Andreas" o leva a aceitar-se mas, ao mesmo tempo, também o afasta do mesmo e, como tal, da sua oportunidade junto de um verdadeiro amor.
É neste misto de atracção versus afastamento que "Sebastian" vive não só no nível sentimental como principalmente na relação que tem para consigo próprio. Se por um lado sente que é uma mulher presa no corpo de um homem, não é menos verdade que é enquanto homem (ainda que com traços ligeiramente femininos) que encontrou a única pessoa que o aceita como tal. Será a sua transformação a prova de que esta mudança o irá, uma vez mais, afastar dos seus objectivos sentimentais?
É também uma das noções chave de Nånting Måste Gå Sönder, esta explícita referência à atracção entre dois indivíduos que, independentemente do seu sexo, encontram a forma de se conhecer, respeitar, entregar e amar esquecendo a dita "embalagem" e concentrando-se no seu verdadeiro conteúdo. As questões daqui resultantes tornam-se assim por um lado no que será a real definição do que é o amor; o sentimento tido entre duas pessoas ou aquele que a sociedade estabelece como sendo "normal" junto da mesma e, por outro lado, quando esta falta de aceitação é uma presença constante a mutilação - através do corte - torna-se como a última saída para expiar um sentimento que é cada vez mais forte e também ele presente.
Nånting Måste Gå Sönder vive das duas sólidas interpretações tanto de Saga Becker como de Iggy Malmborg que se complementam tanto na sua queda como na sua entrega e é para além de um retrato de auto-aceitação (ou destruição), o espelho de uma relação que esquece a existência de fronteiras que são impostas de fora para dentro transformando-se assim principalmente num honesto olhar sobre a possibilidade de amar ignorando voluntariamente as barreiras que estão previamente estabelecidas.
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