Aux Yeux des Vivants de Alexandre Bustillo e Julien Maury é a mais recente longa-metragem desta dupla de realizadores franceses presente na secção Serviço de Quarto desta oitava edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge.
Victor (Théo Fernandez), Dan (Damien Ferdel) e Tom (Zacharie Chasseriaud) são três amigos que decidem faltar à última tarde de aulas e irem visitar um parque de diversões abandonado nos arredores da sua vila.
Quando lá chegam, e depois de uma breve passagem pelas várias atracções abandonadas descobrem dentro da mala de um carro uma mulher acorrentada que será de seguida arrastada por um homem disfarçado com uma máscara de palhaço. É quando são identificados pelos inesperados moradores daquele parque que as suas vidas começam a ser ameaçadas e a sua segurança posto em causa.
Bustillo e Maury estão por detrás do argumento deste filme que nos prende desde o primeiro instante graças à sua intensa história. Se por um lado nos levam a uma reflexão sobre uma família disfuncional onde a violência é o modus operandus dito "normal", por outro também nos revela que nos meios e nas famílias ditas "normais" nem tudo corre perfeitamente, assumindo também estes os seus próprios problemas marginais, servindo os momentos iniciais apenas como uma introdução para aquilo que, cronologicamente, estaria para acontecer num futuro mais distante.
É então que o espectador é levado a conhecer o outro lado, aquele das famílias que independentemente dos seus problemas de ordem afectiva ou até na sua própria composição, são tidas como famílias dentro da "normalidade" socialmente aceite. As mesmas que irão ser afectadas pelo desconhecido, afectadas pelo receio e pelos elementos "impuros" que, na prática, ninguém quer realmente conhecer.
A junção destes dois mundos e daquilo que cada um deles representa irá colidir e desencadear uma série de acontecimentos que ninguém conseguirá controlar. O terror, quando existe, é aquele que se esconde nas franjas da sociedade, das famílias desfeitas e daquilo que cada conjunto de quatro paredes esconde mesmo que, por vezes, esteja à vista de todos nós que ignoramos por auto-conveniência ou desinteresse. A violência, quase sempre presente, existe pela falta dessa família, desse pilar de estabilidade que deveria conferir segurança mas que é para alguns o núcleo da indiferença, o sinal do desrespeito e o elemento que confere medo e desconfiança.
No final resta-nos uma interessante conclusão... é "aos olhos dos vivos", aqueles que levam as vidas normais e socialmente aceites e integrados, que todos os demais se conseguem esconder e escapar de uma qualquer perseguição de que sejam alvo, dissipando-se e tornando-se não mais do que uma miragem e uma sombra dos seus reais seres.
Com interpretações fiéis ao género, Aux Yeux des Vivants acaba por ser um filme cujos aspectos mais fortes são aqueles que se prendem com a sua execução técnica nomeadamente o design de produção, a fotografia e a caracterização de alguns dos seus actores. Quando ao design num registo muito bem elaborado de Marc Thiébault, Aux Yeux des Vivants centra-se em dois mundos claramente distintos sendo o primeiro aquele que está à vista de todos e que independentemente de poder esconder alguns problemas é, aos olhos dos demais, limpo, bonito e bem arranjado retratado por alguma opulência e normalidade. O segundo espaço retrato é aquele dos que vivem marginalmente... podem nem ser pessoas/personagens violentas ou com um mau fundo mas as circunstâncias do mundo levam-nos a colocar-se nesse espaço distante da lei e da ordem, retratado por ambientes mais vis e espaços abandonados - tal como o parque de diversões - onde é possível esconder para "debaixo do tapete" todos os podres que uma sociedade não conseguiu (ou quis) resolver.
Estes dois mundos são aperfeiçoados pela igualmente exímia direcção de fotografia de Antoine Sanier que consegue captar os podres de um (sub)mundo marginal e os elementos menos bons de um mundo aparentemente perfeito mas pouco "limpo", resplandecendo a luz neste último e as sombras e miragens no segundo - vejamos como um dos elementos marginais passa durante vários momentos como uma imagem turva e distante.
Sem ser um filme maior no género ou que preze pela diferença ou originalidade, Aux Yeux des Vivants consegue destacar-se como a mais completa obra na filmografia desta dupla de realizadores e entregar um trio de jovens actores que deveria - merecia - ter tido as suas respectivas personagens ainda mais exploradas nos seus próprios e disfuncionais mundos e anseios, especialmente porque percebemos que nenhum deles vem de um meio perfeitamente "saudável" sem esquecer que deixa o espectador numa constante tensão com o lado mais negro que aos poucos se desenvolve e revela.
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8 / 10
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