Cigano de David Bonneville é uma curta-metragem portuguesa de ficção em competição na secção de Curtas-Metragens do QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa e que já tem o seu próprio percurso em festivais internacionais de cinema.
Sebastião (Jaime Freitas) é um jovem de classe alta que tem um pneu furado no seu carro. Zé-Tó (Tiago Aldeia), é um cigano que se encontra nas redondezas e se dispõe a ajudá-lo.
Quando o serviço termina Sebastião tenta pagar pelo tempo de Zé-Tó mas, no entanto, aquilo que este pretende é uma boleia até ao Casalinho da Ajuda... irá esta inesperada boleia fomentar uma inesperada relação entre ambos?
David Bonneville assina o argumento desta complexa e sedutora história que o espectador pode interpretar sob diferentes perspectivas. Por um lado, e talvez aquela em que pensemos logo de início, reside na perspectiva em que um elemento se impõe ao outro - Zé-Tó em relação a Sebastião - e na qual a sua presença se faz sentir de uma forma desagradável e invasiva. Se na prática ninguém lhe pediu ajuda, "Zé-Tó" assume que o seu auxílio é o último reduto. Mais ninguém de todos aqueles que por ali circulam poderá ajudar "Sebastião" e, ao mesmo tempo, também ele precisa de ajuda (será?) para chegar ao seu destino.
A segunda perspectiva, e que de certa forma funciona como um apêndice da anterior, prende o espectador a um momento em que certas barreiras culturais - e talvez étnicas - se esfumam dando lugar a dois intervenientes que aos poucos se assumem como iguais. Ainda que forçadamente, o "cigano" impõe a sua presença de forma incómoda... apesar de o olharmos como uma figura simpática não sabemos qual o seu real intuito nem tão pouco as suas motivações mas, aos poucos, quebra a barreira que pode separar o "betinho do Restelo" do potencial "marginal do Casalinho da Ajuda" tornando-se naquilo que na prática é desde o primeiro momento... um seu semelhante. Se as barreiras sociais e culturais existem inicialmente, não é mesmo verdade que aos poucos se esbatem... primeiro pela cedência - forçada - de uma boleia, depois por um cigarro que se tira do mesmo maço e depois pelo "charro" que se fuma e, finalmente, pela potencial cerveja que ambos vão beber - ou que é pelo menos seguerida por um deles - como se de dois amigos se tratassem.
Finalmente temos ainda uma perspectiva mais íntima, uma que apela à sedução que "Zé-Tó" inicialmente exerce sobre "Sebastião" e que, apesar de não ser directamente retribuída, também não é negada ou repudiada, sendo que é quando o primeiro pretende sair do carro que o segundo o tranca e arranca rumo a parte incerta denotando uma presença que aos poucos se tornou indispensável misturando no seu segmento final uma forte combinação física ao mesmo tempo que induz o espectador para um desfecho que apesar de incerto pode não ser o mais positivo... Afinal o que aconteceria se o condutor do carro em que seguimos o trancasse impedindo-nos de sair?
A tensão que aos poucos aumenta dentro daquele carro transforma-se a cada segundo que passa um terceiro elemento na medida em que aquele espaço que existe entre um e outro diminui radicalmente, muito também graças a uma direcção de fotografia de Vasco Viana que parece com a luminosidade que capta fazer de uma aparentemente normal tarde num clima que parece saído de um local exótico e tropical onde os corpos transpiram e as mentes ficam impacientes. Repentinamente eles tornam-se semelhantes e a curiosidade que ligou um ao outro torna-se mútua ainda que não assumida. Num momento inicial "Sebastião" não deseja que "Zé-Tó" esteja por perto mas, ao mesmo tempo, também não o renega abrindo-lhe sempre a porta. Quando pensa que o seu "invasor" desapareceu estranha e olha em seu redor e é quando este reaparece que o deixa, uma vez mais, entrar dentro do seu carro impedindo até, momentos mais tarde, que este saia levando-o com ele numa viagem da qual desconhecemos o seu final.
Ainda que Jaime Freitas seja a presença silenciosa de Cigano, não deixa de ser verdade que é aquela que mais tensão provoca não só pelos seus incomodativos silêncios num claro reflexo de que pretende ignorar quem se encontra ao seu lado como, ao mesmo tempo, se transforma naquele que consegue ter o único olhar intimidante de toda esta curta-metragem já próximo do seu final quando pensa perder a companhia de "Zé-Tó". Tiago Aldeia é, por sua vez, a encarnação do cool ao tornar-se na ajuda para todo o serviço, no descontraído que se apodera mais ou menos naturalmente do espaço em que se encontra entregando todos os momentos cómicos da curta-metragem e, finalmente, no "sedutor" do qual o "seduzido" já não se pode - ou quer - livrar.
Cigano tem ainda o grande bónus de nos permitir equacionar qual o destino destas duas personagens - incerto em certa medida - e desejar a sua continuidade. Saber o "e depois"... o que lhes aconteceu, como, e se, se relacionaram. De que forma esta inexplicável e improvável amizade se transforma aos olhos do espectador numa aparente e desejada cumplicidade que cresce em cada um deles de forma distinta e pausada. Cigano é, no final, aquele filme que queremos ver e que nos permite pensar (imaginar) mais ou menos ponderadamente sobre a inevitabilidade de certas relações, conhecimentos ou amizades e como elas mudam de uma ou outra forma os destinos de cada um de nós.
.David Bonneville assina o argumento desta complexa e sedutora história que o espectador pode interpretar sob diferentes perspectivas. Por um lado, e talvez aquela em que pensemos logo de início, reside na perspectiva em que um elemento se impõe ao outro - Zé-Tó em relação a Sebastião - e na qual a sua presença se faz sentir de uma forma desagradável e invasiva. Se na prática ninguém lhe pediu ajuda, "Zé-Tó" assume que o seu auxílio é o último reduto. Mais ninguém de todos aqueles que por ali circulam poderá ajudar "Sebastião" e, ao mesmo tempo, também ele precisa de ajuda (será?) para chegar ao seu destino.
A segunda perspectiva, e que de certa forma funciona como um apêndice da anterior, prende o espectador a um momento em que certas barreiras culturais - e talvez étnicas - se esfumam dando lugar a dois intervenientes que aos poucos se assumem como iguais. Ainda que forçadamente, o "cigano" impõe a sua presença de forma incómoda... apesar de o olharmos como uma figura simpática não sabemos qual o seu real intuito nem tão pouco as suas motivações mas, aos poucos, quebra a barreira que pode separar o "betinho do Restelo" do potencial "marginal do Casalinho da Ajuda" tornando-se naquilo que na prática é desde o primeiro momento... um seu semelhante. Se as barreiras sociais e culturais existem inicialmente, não é mesmo verdade que aos poucos se esbatem... primeiro pela cedência - forçada - de uma boleia, depois por um cigarro que se tira do mesmo maço e depois pelo "charro" que se fuma e, finalmente, pela potencial cerveja que ambos vão beber - ou que é pelo menos seguerida por um deles - como se de dois amigos se tratassem.
Finalmente temos ainda uma perspectiva mais íntima, uma que apela à sedução que "Zé-Tó" inicialmente exerce sobre "Sebastião" e que, apesar de não ser directamente retribuída, também não é negada ou repudiada, sendo que é quando o primeiro pretende sair do carro que o segundo o tranca e arranca rumo a parte incerta denotando uma presença que aos poucos se tornou indispensável misturando no seu segmento final uma forte combinação física ao mesmo tempo que induz o espectador para um desfecho que apesar de incerto pode não ser o mais positivo... Afinal o que aconteceria se o condutor do carro em que seguimos o trancasse impedindo-nos de sair?
A tensão que aos poucos aumenta dentro daquele carro transforma-se a cada segundo que passa um terceiro elemento na medida em que aquele espaço que existe entre um e outro diminui radicalmente, muito também graças a uma direcção de fotografia de Vasco Viana que parece com a luminosidade que capta fazer de uma aparentemente normal tarde num clima que parece saído de um local exótico e tropical onde os corpos transpiram e as mentes ficam impacientes. Repentinamente eles tornam-se semelhantes e a curiosidade que ligou um ao outro torna-se mútua ainda que não assumida. Num momento inicial "Sebastião" não deseja que "Zé-Tó" esteja por perto mas, ao mesmo tempo, também não o renega abrindo-lhe sempre a porta. Quando pensa que o seu "invasor" desapareceu estranha e olha em seu redor e é quando este reaparece que o deixa, uma vez mais, entrar dentro do seu carro impedindo até, momentos mais tarde, que este saia levando-o com ele numa viagem da qual desconhecemos o seu final.
Ainda que Jaime Freitas seja a presença silenciosa de Cigano, não deixa de ser verdade que é aquela que mais tensão provoca não só pelos seus incomodativos silêncios num claro reflexo de que pretende ignorar quem se encontra ao seu lado como, ao mesmo tempo, se transforma naquele que consegue ter o único olhar intimidante de toda esta curta-metragem já próximo do seu final quando pensa perder a companhia de "Zé-Tó". Tiago Aldeia é, por sua vez, a encarnação do cool ao tornar-se na ajuda para todo o serviço, no descontraído que se apodera mais ou menos naturalmente do espaço em que se encontra entregando todos os momentos cómicos da curta-metragem e, finalmente, no "sedutor" do qual o "seduzido" já não se pode - ou quer - livrar.
Cigano tem ainda o grande bónus de nos permitir equacionar qual o destino destas duas personagens - incerto em certa medida - e desejar a sua continuidade. Saber o "e depois"... o que lhes aconteceu, como, e se, se relacionaram. De que forma esta inexplicável e improvável amizade se transforma aos olhos do espectador numa aparente e desejada cumplicidade que cresce em cada um deles de forma distinta e pausada. Cigano é, no final, aquele filme que queremos ver e que nos permite pensar (imaginar) mais ou menos ponderadamente sobre a inevitabilidade de certas relações, conhecimentos ou amizades e como elas mudam de uma ou outra forma os destinos de cada um de nós.
"Zé Tó: 'Tás com medo do cigano?"
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9 / 10
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