sábado, 6 de setembro de 2014

Con Quién Sueña Berta? (2014)

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Con Quien Sueña Berta? de Francisco Javier Gómez Pinteño - também o argumentista - é uma curta-metragem espanhola de ficção que nos conta a história de Jonás (Alberto Ferreiro) e Alfredo (Pablo Vega), dois amigos desde a infância cuja confiança ultrapassa todos os limites até ao dia em que sentem existir algo entre ambos.
Gómez Pinteño escreve e dirige esta história que mescla nos seus pouco mais de vinte minutos um conjunto de premissas e sensações desconcertantes. Se inicialmente o espectador se enquadra naquela história de amizade cúmplice onde dois amigos desabafam sobre a relação de um deles, não é menos verdade que aos poucos esta amizade parece esconder alguma tensão sexual nunca concretizada e que tem sido ao longo dos anos de ambos não só uma presença como ao mesmo tempo um pretexto para justificar excessos de masculinidade e violência física.
Sob um constante sol ardente que estimula os instintos mais primários de "Jonás" e de "Alfredo", Con Quien Sueña Berta? esconde uma história de amizade e sentimento cúmplice que nunca se ousou questionar e ainda que aquilo que seja questionado entre os dois a certa altura seja a fidelidade que ambos depositam na sua amizade, o espectador questiona-se se não existe algo mais por detrás de toda esta cumplicidade que os anos que foram passando nunca chegaram a concretizar.
No fundo, aquilo que o espectador percebe é que estes dois amigos desde tenra idade se tornaram inseparáveis. Quando um assumia uma relação o outro imitava-o num ritual sem questões. O que um fazia tinha obrigatoriamente a presença do outro e o que o outro possuía tinha de ser obrigatoriamente posse de ambos. A certa altura os comportamentos identitários tornaram-se numa mecânica a cumprir cegamente e esta amizade perdeu-se entre aquilo que se tornou e aquilo que era - talvez por ambos? - desejado.
"Berta" (Mia Orellana), companheira de "Alfredo" a quem ele se entregou até certa medida, torna-se no objecto de amor e ódio entre os dois amigos. Se por um lado se tornou na musa deste, não é menos verdade que as suas confissões a "Jonás", "Berta" revela que esta relação apenas se baseou num conjunto de momentos platónicos, de adoração e entrega comedida que nunca se concretizaram per si. O mesmo revela "Jonás" que nos seus flashbacks aparece junto à sua companheira secreta com quem nunca concretizou qualquer tipo de relacionamento mais íntimo para além do psicológico.
Assim, a aproximação de ambos a "Berta" pode ter tanto de platónico como de cúmplice no sentido em que ambos desejam o mesmo - um ao outro - tendo encontrado naquela mulher o escape tido como "legal" no seu meio - que percebemos ser pobre e com poucas oportunidades de fuga - de estarem juntos e entregues a esta relação que é mais do que uma simples amizade.
O calor abrasador é, estranhamente ou não, uma das personagens de Quien Sueña Berta? assumindo aqui o motor que despoleta todo o tipo de reacções mais irreflectidas das duas personagens. O calor fá-los questionar as intenções do "outro" mas, ao mesmo tempo, confirmar que este é também o motor de um desejo inconfessado - talvez seja o "agora" - que se questiona sobre quem é e sobre a sua identidade abalada pelo inconfessável e por todo um conjunto de emoções que até então viveu e que vê abaladas pela incerteza do que deseja, do que tem ou teve e que nunca resultou. É então que o espectador entra no domínio da violência física - a ameaça do tiro e da consequente morte - como resultado directo daquela que é psicológica e que assola "Alfredo" - principalmente - há tanto tempo.
Sob esse mesmo calor a câmara regista todas as suas confissões, os seus jogos, os seus desejos, a sua amizade, a sua cumplicidade mantendo-os sempre num plano de destaque e relegando para segundo lugar tudo o demais que os acompanha. As mulheres, o cenário, o ambiente e os lugares. A câmara que os fotografa enquanto disparam a alvos imóveis, a câmara do realizador que os capta como únicos no espaço e principalmente o espectador - também ele uma câmara aqui "oculta" que regista os seus comportamentos sentindo que aquela amizade onde um sempre teve de possuir o mesmo que o outro é, também ela, uma forma de se terem sem se confirmarem. Uma forma de estarem próximos não existindo qualquer tipo de contacto físico que é, aliás, unicamente mantido pelo escuro de uma noite e sob a forma de um jogo violento onde a masculinidade ameaçada se confirma pela força.
É a direcção de fotografia de Christopher Keen que filma muita desta tensão ao captar as cores quentes de um qualquer "sul" abrasador realçando desta forma o suor que escorre pelos seus corpos e que, a certa altura, os impede de pensar racionalmente recorrendo então aos seus instintos mais animalescos e primários. Mas é sobretudo a inspirada direcção e argumento de Gómez Pinteño que dirige uma história onde a identidade é questionada e apenas afirmada pela força e pela violência e interpretada por dois actores inspirados como o são Pablo Vega e Alberto Ferreiro que dão vida a esta amizade de forma cúmplice que sem nada confirmar esconde muitos segredos, experiências, motivações e sensações.
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9 / 10
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