Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles adaptado da obra de José Saramagoe que conta com Julianne Moore, Mark Rufallo, Danny Glover e Alice Braga nos principais papéis.
Depois de um estranho virus que retira a visão a praticamente toda a população mundial e onde apenas uma mulher (Moore) mantém a visão durante todo o tempo, primeiro o pânico e depois o caos instalam-se a um nível global e à medida que ficam infectados os individuos são afastados para um local onde irão ficar de quarentena.
Aí os inicialmente poucos residentes começam a tentar trabalhar com as devidas adversidades nomeadamente com os guardas que cercam as instalações para não os deixar sair, e à medida que aumentam os residentes lidam também com os grupos que se estabelecem uns mais fortes que outros.
Aquilo que retiramos desta história é que quando depara com uma adversidade e dependendo da sua gravidade, o ser humano pode, e normalmente cai, no mais selvagem estado de existência e tenta dominar com os recursos que tem todos os demais. A solidariedade deixa de existir, os costumes desaparecem e os direitos ou a dignidade são apenas miragens irreais. Temos tudo isto presente quando o grupo dominante exige inicialmente os bens de valor que os outros têm em troco de comida e, quando estes rapidamente desaparecem exigem as mulheres para saciar os seus impulsos sexuais. O humano muito facilmente se transforma num animal. Num animal sem respeito, sem lei, sem valores e que apenas pensa numa coisa, a auto-preservação.
Ao estar globalmente instalada a epidemia, apercebemo-nos disso quando os próprios guardas deixam de estar presentes para guardar as instalações, um pequeno grupo liderado por Moore decide rumar a casa desta e do seu marido (Rufallo) e um dos infectados iniciais para pelo menos se encontrarem num ambiente familiar.
Uma vez aí chegados vão aos poucos recuperando uma vida mais calma e "normal" onde não têm de se preocupar com as inúmeras adversidades com que haviam lidado nos tempos anteriores. É aqui que surge a surpresa quando a sua visão começa aos poucos a aparecer. Volta a existir a esperança para todos eles, pois se um já a começa a recuperar também os outros brevemente a terão. Todos? Não todos.
A personagem interpretada por Danny Glover era cego desde há muito tempo. Muito mais do que desde o aparecimento do vírus da cegueira. Que significa isso para ele? Voltará simplesmente a ser um cego no meio de um mundo que vê e perde assim a igualdade que teve durante o período em que todos padeciam do mesmo problema que ele. Deixa de ser um entre muitos para passar a ser um em quem ninguém repara. A notícia que para os outros chega como um bem é por ele encarado como um regresso à sua vida dita normal.
Também para Moore a vida não voltará a ser a mesma. Esta nunca padeceu do mesmo problema que todo o resto do mundo. Sempre viu. Foi assim que conseguiu ultrapassar todas as adversidades. Tinha controlo. Tinha a oportunidade de tomar decisões. De ser um elemento valorizado. Agora voltaria a ser o mesmo de sempre... Um entre muitos e não um que se destacava. E agora que seria da sua vida? Como poderia continuá-la?
Não tendo lido o livro antes de ver o filme, as comparações sobre se está feita, ou não, uma boa adaptação daobra literária não me interessam. Mesmo que o tivesse lido cada obra é uma obra e tem a sua própria "vida" como tal, comparações para quê?!
Achei este um dos melhores filmes não só do último ano como dos últimos tempos. Sóbrio, muito sóbrio, e com uma realização de excelência de Fernando Meirelles, aqui todas as personagens têm uma vida e uma luz própria, com o seu devido destaque e a sua respectiva importância, identificamo-nos com umas ou com outras mas em todas reconhecemos algo que possivelmente nos marcou. Os seus medos, os seus pontos fortes, as suas vontades, a sua revolta. Apesar das suas debilidades têm também grandes forças. É um filme que nos mostra o quão vulneráveis podemos ser face às adversidades mesmo que em circunstâncias normais possamos ultrapassar tudo e todos.
Extraordinária banda-sonora da autoria de Marco Antônio Guimarães e um brilhante trabalho de cinematografia de César Charlone dão a este filme uma dimensão que, arrisco dizer, quase de um épico apesar de ser, de uma forma geral, um filme relativamente calmo mas com grandes picos de acção e de tensão.
Se todas as interpretações sem excepção são extraordinárias, há que dizer o mesmo a respeito do realizador Fernando Meirelles que, depois do filme Cidade de Deus, volta a destacar-se com uma extraordinária obra que a meu ver ficará como um dos seus mais importantes filmes.
"Doctor's Wife: The only thing more terrifying than blindness is being the only one who can see."
10 / 10
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